O que constitui a natureza central/básica das coisas, por definição. Mas no aspecto relacionado aos seres humanos, diz-se do que constitui sua base principal do conjunto de pensamentos e personalidade, basicamente o como uma pessoa é (demonstrando ou não) ser, existir (sozinha ou em sociedade; geralmente este último).
Interessante averiguar que, levando-se a sério, é algo custoso de se descobrir, mais ainda de exercer, ainda mais de se construir conscientemente; este último aspecto acaba por ser sempre um misto de influências, ambiente, criação somados a análise consciente de acordo com as próprias concepções intelectuais (que já é uma forma de parcela da essência deste ser).
Uma vez consciente da própria essência, torna-se óbvio o conceito do valor disto, visto que é basicamente a sua individualidade materializada em existência. Este aspecto não necessita de uma análise profunda. Apesar de grandiosamente importante e muitas vezes não tão óbvio de acordo com a cultura social vigente de onde se nasce somada ao tipo de criação familiar; a individualidade ainda é extremamente contida, beirando o “proibido” em certos nichos. Essa individualidade acaba até de certa forma andando lado a lado com o propósito pessoal de vida, se é que se chega há obter-se um. É um marco da sua própria liberdade existencial, o que o torna mais do que apenas um ser humano, mas sim “você”, o aquém desta maça orgânica comum a toda espécie. Para se avaliar de forma bem breve a importância disto.
O passo seguinte é exercer a própria essência, o seu ser em vida, na prática. Pois descobrir-se é uma coisa, exercer-se é outra. Toda característica humana só possui seu total valor e potencial quando posta em prática; posso me descobrir e dizer que sou um amante de livros e leitura, mas se eu de fato não pratico isto, não leio livros, esta característica se torna mínima (mas não necessariamente inexistente, isso é importante). O mesmo vale para toda e qualquer característica e qualidade do ser.
Meu ponto de análise é: após conceber consciência da própria essência, como se torna comum diminuir ou perder a mesma de acordo com como se vive, e o quão grave é isso.
Para o geral social, vive-se na maioria das ocasiões numa espécie de modo automático, diluindo-se a essência do ser aos poucos, se é que se possui uma, até se tornar quase nula; e o processo por ser gradual, despercebido. Infelizmente é um resultado comum baseado no tipo de ordem vigente social-econômica que vivemos. Você em algum momento nota o clássico questionamento “Eu não era assim, quando deixei de ser eu mesmo?”, e nisto se denota como uma vigilância constante deve existir em relação a nossa essência enquanto vivemos (parecido com o paradoxo do preço da liberdade ser a eterna vigilância) caso não queiramos ser apenas meros números sociais sem valor intrínseco pessoal de vida. Costuma-se viver de acordo com certos aspectos de personalidade, interesses e desejos… e de repente notamos que não nos dedicamos mais o mesmo tempo para tais pensamentos, lazeres, ou o mesmo interesse por tais assuntos, ou o mesmo entusiasmo por coisas tão intrinsicamente ligadas a nós… e isso é absurdamente triste. Pior ainda quando nota-se isso apenas muito tardiamente na vida. Esse momento de auto crítica consciente é tão devastador as vezes… nos vemos como seres estagnados e inertes comparados a jovialidade que possuíamos em certos pontos previamente, e nem sabemos dizer onde as coisas “desandaram”. Quando? Porquê? Houve de fato alguma razão?
Estas perguntas surgem e logo após somos inundados por um sentimento que em minha opinião é um dos piores e mais corrosíveis a se ter na vida: o sentimento de desperdício de tempo de vida.
Por mais que tenhamos alcançado certos objetivos neste meio tempo, perceber esta ausência é quase sempre algo arrasador, quase nunca conclui-se que “Valeu a pena” ter negligenciado seu “Eu”, há sempre um sentimento de angustia e desgosto passivo; engole-se a seco com um clássico “Eu costumava ser tão ‘assim’.”. E simplesmente se aceita sucumbir nisto, enquanto não se distrai com outras coisas, que é o que geralmente acontece; e nunca mais aquele seu “Eu” retorna. Uma derradeira tristeza, em minha opinião. Quase nunca há uma aceitação contente ou valorosa desta auto-negligência, quase ninguém aceita de bom grado esta balança. O preço é sempre alto até para quem não tinha tanta consciência da própria essência, e destruidor para quem tinha.
E o que fazemos então? Devemos estar atentos para que, caso isto ocorra (que é algo bem certo devido ao nosso ritmo de vida atual) que o notemos o mais cedo possível, evitando ao máximo que percebamos tarde em vida.
Vivemos nossa vida e de repente nos sentimos estagnados. A princípio estamos vivendo normalmente, mas algo mentalmente não está coerente. E olhamos o nosso redor pessoal de interesses, ideias, personalidade… e onde estes estão? Onde estão nossos interesses em música, filosofia, videogames, ciência, biologia, física, ética, sociologia, fisiologia…? (*exemplos pessoais). Nos vemos como uma placa cinza de interesses medianos com o que nos baseávamos no que seríamos. Olhamos para tudo isso um tanto perdidos e angustiados em como retomar esse “brilho” do ser que éramos e deveríamos ser. “Eu era tão “mais” do que isso antes… como pode ser que avancei na vida, mas me sinto menos valoroso quanto ao meu ser?”. É um tipo único de angústia.
A chave onde está? Exercer a sinfonia única do nosso ser, nossa essência. Não basta termos uma, deve-se exercê-la para que ela tenha todo o valor que nosso ser pode e deveria ter. É quase inevitável que esta desvio no caminho ocorra, então deve-se ter uma autoconsciência constante em relação a nossa vida, como uma espécie de linha do tempo, observando as nuances, mudanças e constâncias ao longo da vida, e como aquilo está de acordo com o padrão de nossa essência.
É infeliz que haja a necessidade desta vigilância constante. Concordo, é absurdo como devemos nos vigiar para simplesmente sermos fiéis a nossa própria essência, por causa de um tipo de ordem socioeconômica vigente, ou nossa própria negligência, ou uma mistura de ambos, devido ao estilo de vida falho que muitos possuem (com cada devida parcela de culpa pessoal somada aos fatores socioeconômicos já citados). Não é simplesmente culpar o sistema por tudo numa espécie de vitimismo vazio, mas é importante apontar o dedo para a causa base, avaliando como as causas e efeitos não são tão superficiais e pessoais como se parece, e há uma grande soma de fatores; mesmo que não haja um efeito prático de resolução nesta atitude, é importante reconhecer os motivos e causas basais. O resultado prático pode não modificar-se, mas o mindset modifica-se tendo em mente este reconhecimento, enxergando que nem tudo é meramente pessoal… por mais que toda a resolução se dê no âmbito e responsabilidade pessoal.
(Vale ressaltar que nossa essência é algo que pode ser mutável em alguns aspectos, é algo gradativo e construtivo durante a vida, mas que é unânime que boa parte desta é adquirida no início da vida, até o meio da casa dos 20, e mudanças posteriores a esta geralmente são adendos, detalhes modificados etc; a grande base geralmente se mantém a mesma, visto tratar-se de aspectos como índole, modo de perspectiva geral, desejos essenciais, personalidade primordial etc.)
É sempre angustiante mergulhar nesta autoconsciência, pois como dito, estes auto questionamentos quando surgem sem respostas são acompanhados de um sentimento arrasador de desperdício de vida. Este é o estopim para um sentimento de frustração constante em relação a própria vida, pelo menos em aspectos fundamentais; mas não há como evitar, pois trata-se do único modo de se corrigir tal: encarar tais perguntas e sentimentos. A outra única opção é postergar inertemente, de forma automática, num ciclo vicioso de fuga para evitar a angústia. Mas a vida e o tempo continuam, a passos largos, e inevitavelmente o fim de sua vida chegará, e com ele, todo o peso de uma vida de fugas e angústia. Infelizmente o que muitos seres acabam por fazer, despertando a maior tristeza e angústia que eu posso imaginar a um ser humano: perceber ao fim de sua vida que não se viveu verdadeiramente.
O lado bom de encarar esta angústia de frente é perceber tal auto negligência antes de uma fase tardia de vida, quando há tempo (quase sempre há) de se recuperar sem tanto tempo perdido, algo que já escrevi em textos que é, de fato, a única coisa que nós temos e negociamos com as ordens sociais, obrigações e dedicações: nosso tempo de vida. Sempre que se evitam estes sentimentos e questionamentos, mais da vida se esvai, fora de nosso controle, e nada se soluciona… os problemas e angústias permanecem intactos, apenas ocultados brevemente da própria consciência, um breve esquecimento inútil, não passando apenas de um protelar infecundo. A única opção racional é encará-la o quanto antes, retomando nossa essência do ser e evitando-se mais tempo de vida perdido.
Exerçamos nossa essência ao máximo que pudermos, não sejamos nunca menos do que nós mesmos. Enquanto vivermos, brilhemos.
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