É impressionante e ao mesmo tempo assustador notar-se o quanto sua mente apenas estava fluindo passivamente, até surgir um bom e digno estímulo intelectual que fizesse você analisar, questionar e se deleitar em assuntos e observações realmente interessantes.
Leituras estimulantes fazem muita falta.
Você acaba por não perceber a transição para um estado em que sua mente não esteja sendo dignamente estimulada… você apenas flui à esse estado sem perceber que já está nele após um tempo! Uma transição confortável a um estado menos estimulante e com menor dispêndio de energia; e por isso tão estável e de sutil transição. Me vi nesse exato estado há alguns dias, passivo mentalmente até retornar a leitura de um livro que tinha me permitido um intervalo por estar aquém do meu foco; e a sensação é literalmente como despertar, acordar de um sonho plácido que você não sabia ser um sonho até acordar! É um literal estado de despertar, enérgico e estimulante, como um ígneo movimento das engrenagens mentais.
E eis que você nota o quão importante é estar num contínuo estímulo mental, por risco de se desvirtuar a uma dormência intelectual por acomodação, preguiça e outros fatores e variáveis de uma vida corrida do nosso século. E nem posso dizer “conforto” porque seria um tanto dúbio, visto que este estado confortável de inércia intelectual possui apenas a aparência de conforto, visto que esta se deteriora assim que há um real estímulo, e este se mostrando um verdadeiro estado de conforto; e nisto há um paradoxo caso não se esteja atento: a mente só nota o desconforto ao se dirigir à um aparente desconforto; ou seja, o real conforto é alcançado ao se sair de um aparente conforto.
Por sinal era um livro deveras fascinante que me despertou, e que já estava em meus planos há tempos. “O mais potente dos afetos”. Livro este onde há a análise e comentários por especialistas de Spinoza e Nietzsche em pontos e ideologias em comum entre ambos filósofos, focando em 6 pontos de suas respectivas filosofias: O conhecimento como o mais potente dos afetos, a negação do livre arbítrio, a negação da teleologia e das causas finais, a negação da ordem moral do mundo, a negação do desinteresse e a negação do mal. Ambos estão entre meus filósofos favoritos de longe, e os tópicos tratados mais fascinantes ainda. Principalmente pelo ponto que dá título ao livro, que é um dos pilares da minha ideologia de vida: o conhecimento como o que há de maior valor na vida. E ver dois dos meus grandes filósofos concordarem com isto é um ápice de exultação. Na verdade considero este um sentimento de prazer à parte e que deveria ter um nome próprio pra isso (ao nível de especificidade quase cómico e absurdo do idioma alemão, que possui palavras bem definidas para coisas aleatoriamente específicas!): o sentimento de prazer por descobrir que algo que você pensa condiz com o que uma grande mente que você admira também pensa. Já senti isso inúmeras vezes, e é extremamente gratificante. Não só em relação ao valor absoluto em que é embebido o conhecimento, mas uma proporcional obliteração e repulsa em relação a ignorância, seu ponto unilateralmente oposto; analisando o quão intensamente danosa ela o é, dando o devido peso ao seu desserviço à humanidade, principalmente em sua maior e mais trabalhosa obra de engenharia: a religião. Peso este que não parece se compreender de verdade além do alcance que se embrenhou em praticamente todos os meandros do que a humanidade se tornou.
O tópico sobre a ilusão do livre arbítrio me é algo já em habitual consenso intelectual devido aos meus estudos em neurociência, e sua análise filosófica no livro apenas ratificou o que já possuía em mente sobre o assunto. É um assunto vasto e polêmico de fato, não interpretem a simplicidade que dou a ele apenas por já ser algo muito bem fixado pelos meus intensos e incessantes estudos. Talvez escreva um dia sobre, mas demandaria uma extensa explicação prévia de alguns conceitos para que nada soe confuso, além de um também extenso prólogo explicando e respondendo os potencias questionamentos que se surgem a esta afirmação. Spoiler Alert: Sim, ainda temos escolha, apesar de. ( To be continued… * Roundabout Intensifies * )
A negação do finalismo, ou causas finais, pode ser má interpretada pelo nome como um sinônimo para livre arbítrio, mas na verdade significa o fato do Universo (ou “coisas” numa generalização) terem um propósito, ou uma finalidade (daí o termo finalismo). Basicamente negando o clássico pensamento de que “o mundo tem um propósito”, ou pior ainda, “deus tem um propósito escrito”. E neste ponto a análise de Spinoza é simplesmente arrebatadora, demonstrando como uma mente grandiosa pode destrinchar o mais simples dos questionamentos em análises profundas e riquíssimas, abrangendo e elevando o que pra mim sempre foi uma afirmativa óbvia a um nível além de profundidade que não esperava, analisando historicamente o início psicossocial do engendramento deste pensamento finalista baseando-se na religião/mito (centrado na figura do profeta e seus ouvintes), daí partindo para a definição de imaginação como uma ratificação para a ignorância, num mecanismo que parte do fato de o mundo (ou coisas) existirem para seu próprio fim antropocentrista, numa explicação retrógrada absurda de causa-e-efeito. A ponto desta tornar-se uma “verdade” perpetuada em si mesma com o véu da ignorância sobre tudo. E um ponto chave que pessoalmente me senti em um significativo êxtase foi quando Spinoza afirma que “o poder divino provém de uma paixão, o medo.”; algo que eu em minhas próprias pesquisas e questionamentos com pessoas teístas concluí, ao lhes questionar o porque acreditavam em deus ou num outro mundo pós-morte no âmago destas questões, e sempre chegava a respostas do tipo “Não poder ser ‘SÓ’ isso.” ou “Se não houver nada, nada disto faz sentido.” ou “Se não houver nada, isso é muito injusto.” e todas elas culminando num quase desesperado “Tem que haver algo.” sem nenhuma brecha de pensamento para um “E se não houver?”… ou seja, um eterno medo de que não haja nada. Ou seja, toda a sua crença no divino baseada num medo infantil de que tenha de haver algo a mais além desta vida.
Quanto a negação da ordem moral do mundo, como no tópico em relação a negação do livre arbítrio, também me é algo óbvio devido a meus estudos pessoais, e também me foi apenas uma ratificação enriquecedora de uma linha de pensamento que já sigo. Porém faço questão de enfatizar que a análise de Nietzsche neste aspecto foi um dos pontos mais revolucionários intelectualmente da minha vida, especificamente quanto a sua análise quanto ao “Bom e Ruim, e o Bem e Mal” em Genealogia da Moral, um de meus livros favoritos dele, provavelmente apenas atrás de Assim Falava Zaratustra. Lendo este livro, meu embrionário pensamento de “Se o homem criou, é algo a ser questionado em sua essência.” cresceu a um ponto em que esta linha de questionamento poderia abranger até mesmo os conceitos mais básicos (ou “absolutos”) da concepção humana como “bem e mal” e não apenas como “certo e errado” como eu já engatinhara intelectualmente em meus próprios estudos pré-Nietzsche em minha vida. Algo que dentre inúmeros fatores serei eternamente grato a Nietzsche. Sendo assim, a concepção de que Bem e Mal são apenas relativos e oriundos (historicamente) do interesse mor da casta dominante socialmente baseados no que os seria Bom e Ruim respectivamente torna estes conceitos extremamente questionáveis por conseguinte de maneira direta e óbvia.
A negação do desinteresse me soa como um estudo da relação do ego e do egoísmo, de forma a abraçar o egoísmo como fator essencial a existência humana ativa e potencial. Não a definição preconceituosa e limitada de egoísmo deturpada em que este denota diminuição de terceiros, mas sim a real definição em se auto inserir como prioridade em seus intuitos (o que não tem a ver necessariamente com a diminuição de outros seres ou lhes causar dano ao bel prazer). Se priorizar não é sinônimo de danificar terceiros, e este é um dos maiores equívocos sociais disseminados, acarretando em fatos como a auto-preservação e focos egoístas e pessoais sendo julgados e “mal vistos” socialmente. Mais uma vertente em relação ao questionamento moral da relação bem/mal. Assim sendo, não haveria de fato nenhum tipo de atitude verdadeiramente desinteressada; todo tipo de ação denota uma escolha egoísta, um foco e um objetivo pessoal, centrados num próprio objetivo e finalidade mesmo que não implícito. Indo além, é um verdadeiro questionamento e afirmação da inexistência do altruísmo em si, da ação centrada apenas no “bem” de terceiros, sem interesse; o que não existiria por definição de nosso egoísmo ou ego serem sempre o centro da tomada de decisões, neurologica e filosoficamente. Ponto este também interessantíssimo e que me será foco em outro texto analisando a natureza do ego e o equívoco de sua definição.
A análise quanto a natureza do Mal é uma vertente direta em relação a natureza moral do mundo, ou seja, o questionamento das concepções de Bem e Mal. Logo torna-se óbvia a conclusão de que a natureza do Mal é dúbia e referente a um mero capricho moral de preferências ideológicas de um determinado grupo social. Consequentemente, uma ilusão. Não há muito o que se acrescentar aqui. * Mic Drop *
Obviamente que o livro todo é de um conteúdo mais profundo e que no mínimo uma espécie de TCC seria necessária pra uma digna definição e estudo do mesmo. Apenas resumi em parágrafos do que se tratavam os conteúdos os simplificando absurdamente em relação ao meu conhecimento e o que aprendi sobre tal. Trata-se de um texto muito mais robusto intelectualmente e magnífico. Acrescentar algo e mensurá-lo seria um exagero que não o faria jus. O meu foco neste texto é justamente a importância de leituras afins, leituras que como esta o despertem de uma passividade intelectual e lhe recoloquem nos trilhos do pensamento crítico e ativo que nos tornam seres humanos grandiosos, pensantes, questionadores, intensos, potenciais e enérgicos perante a vida! Pois vida é movimento, e pensamento crítico é movimento da mente. Pensar, não apenas responder passivamente a estímulos externos.
Deve-se atentar sempre ao nosso estado mental presente, viver “no automático” é algo extremamente perigoso, principalmente por possuir uma transição extremamente sutil e uma aparência inofensiva, neutra, logo não se percebe que está nele; e como não notou-se mudanças significativas ou acentuadas, mantem-se no mesmo estado de inércia sem aperceber-se. Caso não se “force” à um estímulo que se sentirá como ligeiramente dificultoso, há o risco de manter-se neste poço de conformidade, esta roda de hamster, sem se aperceber que a mente está apenas a existir, vagando no cotidiano clássico com a mente a se ocupar apenas de acordar, trabalhar, comer, dormir… num loop trágico do século XXI mais comum do que se deveria, mais trágico do que se o dá atenção. É uma lástima a qual estamos todos sujeitos como indivíduos desta ordem social vigente, e cabe apenas à nós mesmos nos atentar para tais perigos de aparência tão inofensiva e comum. Isto não significa entupir-se de leituras e conhecimentos complexas de maneira desenfreada e desesperada a todo instante, pois isto já seria danoso e sem proveito intelectual significativo algum (e provavelmente inviável); nem significa que apenas deva-se ocupar a mente com atividades intelectualmente ricas e profundas. Estas devem de fato ser uma maioria de preferência, porém um entretenimento simples e sem tanta profundidade, ou um descanso mental de pura serenidade também são muito bem vindos; desde que não de forma desmedida a fomentar um vício de “conforto”. Um estímulo excessivo poderia gerar um stress mental e excesso de informação demasiada, assim sendo um desserviço ao intelecto. Todo excesso quando se trata da mente (neurológica ou psicologicamente) é um problema, e o equilíbrio (não necessariamente 50/50) deve ser o objetivo.
A mente deve sempre estar caminhando a maior parte do tempo, às vezes correndo, às vezes voando, mas nunca parada. Devemos sempre evitar a letargia intelectual, ao custo de nos tornarmos autômatos orgânicos, numa falsa sensação de conforto travestida de consciência.